24.8.12

inversão.

Depois da sua aula de esgrima, a garota se sentia cansada, mas estimulada. Sabia dominar o florete muito bem, quase uma extensão do seu braço. Também possuía algum destaque no boxe e em artes marciais, como as demais mocinhas da sua idade.

Estudava em uma escola de internato tradicional, só para garotas. Tinha aulas comuns como português e matemática, mas o diferencial das formandas de lá estava na ampla quantidade de lutas que elas aprendiam, nas quais nossa heroína era invejada. Dentre os outros cursos adicionais, estavam o preparatório para o ingresso no mundo financeiro das bolsas de valores e também aulas de funcionamento geral de automóveis.

Ela se dirigia ao seu quarto automaticamente. Quando as pernas se guiam de forma autônoma, a cabeça tem mais conforto para vaguear além dos corredores e dos pátios do colégio.

- Oi, - cumprimentou ao entrar no quarto. Sua amiga, Juliana, lia tuites, deitada. - desisti da greco-romana hoje. Posso agora te ajudar em química, se quiser.

Juliana disse que não queria pensar em química agora. Amanhã começavam as férias, afinal de contas. Tinha de focar em garotos, isso sim. Por que garotos na mente com tanta frequência?

Talvez fosse o excesso de garotas no dia a dia.

Dormiu em uma noite condensada e sem sonhos. Seus pais a buscariam pela manhã, sem sentimentalismos nem reencontros doces. Isso era coisa para meninos e seus romances baratos.

O nariz colado no vidro da janela do carro e os olhos bem abertos, sem ver, com o foco na mente sempre aérea. Como adorava poder ser independente, ser do sexo que usava saias. Ter sua própria vida, não ser dependente do casamento, poder ser solteirona, se quisesse.

Mas por que, no íntimo, tinha essa fantasia de ser salva? Salva por um homem...! Parte do tempo, ao caminhar na rua, se imaginava na situação de ser atacada e assim meter a porrada no agressor. Pensar em quebrar ossos acalentava o instinto da violência humana. Estar em uma briga.

Mesmo assim, na outra parte do tempo, pensava em uma caminhada sinistra e um agressor hediondo, sendo ela salva por um homem de ombros largos e aspecto viril. Não entendia o deleite que experimentava nessa cena imaginária. Ela era uma conservadora, e as ideias de machismo pareciam de outra realidade, de uma realidade que não era sua.

Mas os ombros!

O devaneio teve uma pausa para uma conversa com a mãe, de forma breve. Ela dirigia com calma. Falava de cavalos.

A mente da garota logo galopou de novo, em um trote inevitável. Só voltou a prestar atenção quando o pai mencionou um possível casamento com um moço de bom dote.

- Ele está preso em uma torre, pobre alma.

O espírito aventureiro da garota relinchou de felicidade.

Perguntou por fossos e dragões. O pai disse que não havia muita informação a ser dada, além do básico. Ele tinha a mãe do moço nos contatos do celular, caso a filha tivesse real interesse.

Nossa heroína se interessou sim pela torre. Gostava de adrenalina. Era boa em torneios. Possuía sagacidade. Ela sabia disso e se fingia de modesta, um dos truques do carisma.

Ficou decidido que salvaria o moço na semana seguinte.

Flutuava na expectativa. Facilidade de perder-se em conversas.

No dia do resgate, atravessou o campo, obstáculos que divertiram. Subia a parte final da torre, com a ideia de vitória.

Chegou ao topo.

Batidas leves na porta semicerrada, que abriu. O rapaz estava ali, de pé, olhando para ela. A garota se sentiu estúpida por sentir um nó no estômago. A consciência da própria estupidez, legítima, veio com a vontade de sorrir só por ver aquele moço, com contrações involuntárias do rosto. Se forçava a não sorrir tão abertamente.

- Vamos?

A decisão foi unânime. Travessão sem dono exato.

Ela não tinha percebido que o dragão que enfrentara, agora derrotado, tinha aquecido e queimado parte da estrutura do castelo. Não tinha percebido uma viga que estava caindo.

Só percebeu o estrondo pesado quando estava ao chão, depois de o rapaz ter a puxado para si e pulado para longe a tempo.

O toque era em todo o corpo. Estava envolvida por completo por ele. Cruzaram os olhares e ele sussurrou, "está tudo bem?". Pelos da nuca se arrepiaram. Tinha sido salva.

Depois de casados, eles dividiam a louça a lavar depois do jantar.

-
muito provavelmente um dos mais clichês que já fiz. recentemente, ao menos.