16.10.13

pensamentos sobre o pensamento.

Não existe algo mais fascinante que o pensamento.

Como pode algo tão abstrato nascer de algo tão físico como um punhado de sinapses? Como pode sermos tanto, estando confinados à caixa craniana?

O cérebro tem vida. De lá, nasce a personalidade, nossos sentidos, nossos devaneios. Tudo nasce de lá.

Somos neurotransmissores, e é estranho pensar nisso.

Querem acreditar que existe algo mais glorioso além do nada, do completo caos do universo. Não querem ser uma aleatoriedade. Querem ter significado. A religião nasce porque é difícil aceitar isso, e assim é com a cabeça, é difícil aceitar que tudo o que você pensa e sente é só bioquímica que acontece no seu cérebro.

Nada faz sentido.

Qual o sentido do pensamento? Por que?

A realidade existe, sem algo que trabalhe nela? O mundo existe, se não há nada que o perceba? A realidade, na verdade, é subjetiva? Porque ela reside no nosso cérebro. É interpretação.

Conexões de palavras, de ideias. Conversas que travamos com o próprio ser, consigo mesmo. Ondas só suas, batalhas que só sua massa cinzenta sabe claramente. Você pode tentar explicar, organizar as frases. Se entende a ideia central, mas não a essência pura. Porque só quem é dono do pensamento, que às vezes nem se organiza em palavras, mas em sensações, sabe de fato o que pensou.

O pensamento intriga ao ponto de refletir sobre a existência humana.

Essa trilha da cabeça é um mistério.

Susanna Kaysen fala de a cabeça ser dividida em intérpretes, um que pensa, e o outro que pensa o pensar.

Talvez o que pense o pensar seja enfim nossa alma.

É esquisito perceber que o que pensa o pensar também é um pensamento. Também é bioquímica. Também está preso no nosso cérebro. Tudo, tudo é intracorpóreo. E por tudo ser intracorpóreo, a existência fascina, e o universo fascina, e como podemos existir no meio dessa entropia fascina.

Somos o caos estalando em sinapses.

Somos teias incompreensíveis.

Somos sem sentido algum.

Só o fascínio nos mantém, com uma pergunta.

Como pode?
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não costumo postar textos assim por aqui, fluxos de ideias. costumo postar contos. como faz muito tempo que não publico nada, abri essa espécie de exceção.

8.9.13

uma observação:

Posso passar um longo tempo sem postar.
Nunca passo um longo tempo sem escrever.

21.4.13

pés descalços.

A cortina aberta deixava um facho de luz entrar no quarto, iluminando a cama dela. Sentindo a luz tocar no rosto, ela acordou, permanecendo imóvel por alguns instantes antes de a força de vontade acordar também.

Esticou-se, pôs os pés para fora da cama e pisou no chão.

O azulejo era frio.

Olhou para o cantinho do quarto, onde ficavam suas sapatilhas. Ela sorriu por nunca as ter usado.

Gostava de andar descalça, porque assim se sentia livre, se sentia ela mesma. Gostava de conhecer o chão que pisava. O orgulho por estar sempre sem sapatos era parte dela também.

Alguns não achavam muito sensato, da parte dela. Pessoas andavam calçadas, afinal de contas. No seu aniversário, sempre ganhava várias meias.

Pensava, se estão se importando por eu estar descalça, é porque não são pessoas que devam estar comigo.

Um dia tinha passado por grama, asfalto e calçada quebrada antes de chegar em uma festa, onde estava o garoto alto. Ela tinha interesse por ele, conseguia imaginar a si mesma arranhando suas costas, contra uma parede.

Ele a achava bonita, mas ela andava descalça.

Se se importam com meus pés, não são para mim, dizia para si. Não aceitam meus pés nus, não precisam conviver comigo, repetia.

O orgulho dos seus pés a evitava de mancar.

Andou pelo azulejo do quarto, do corredor e da cozinha, para tomar café sentindo o que restou do frio da noite através do piso.

Dia pós dia, caminhava sentindo o ar entre seus dedos. Mas o orgulho não se sustentava como antes, não servia de base sólida como seus pés que começavam a dar passos incertos.

Questionava se o certo era ter pés descalços. Questionava sua liberdade e seus passos. Questionava se estava seguindo o caminho que deveria seguir.

Se são pessoas que importam, elas não se importarão com minha falta de sapatos, continuava o resquício de orgulho, tentando manter sua posição.

Cambaleava.

O facho de luz a acordou, naquele novo dia. As dúvidas faziam a força de vontade ter uma soneca maior que a de antes.

O azulejo deu-lhe um beijo frio antes de ela encarar as sapatilhas no cantinho do quarto.

Foi até lá e as calçou.

Passou o dia caminhando sem sentir o ar entre os dedos dos pés. A liberdade reclamava, mas o orgulho dos pés descalços vacilava.

Quando voltou para o quarto, no final do dia, estava cheia de calos. Bolhas no calcanhar.

Suspirou enquanto colocava meias para poder dormir. Elas finalmente eram usadas.

30.1.13

lacrado.

As pessoas costumavam contar sonhos e ele as escutava.

Algum amigo o telefonava e narrava histórias por horas, outro digitava palavras noite adentro pelo computador. Aquela amiga, que o chamou para um café, contou cada sobressalto do seu sonho antes de tocar em sua coxa, mexendo no cabelo com as mãos, lançando-lhe então um olhar lascivo.

Ele também tinha sonhos.

Certa manhã, acordou sorrindo. Era o que fazia quando tinha um sonho tranquilo, refletia sobre enquanto encarava o teto do seu quarto. Era um bom sonho para compartilhar. Algo além do vazio de uma manhã qualquer.

Contou para um amigo depois de uma cerveja. Contou da paz que sentiu, contou da calma dos gestos da garota do sonho, contou como sentiu a pele dela.

Só depois percebeu o corte que tinha nos dedos, seu sangue pingava na mesa do bar. Não conseguiu limpar tudo com o guardanapo vagabundo.

Seus sonhos sangravam quando revelados, ele aprendeu.

Escritores passavam seus sonhos para o papel, palestrantes dividiam sonhos com um auditório. Sonhos enfeitavam novelas. Mas ele não podia dizê-los, era anêmico em potencial.

Seu sono REM individualizado o isolava. Sempre que tentava contar para um amigo, o vermelho tingia suas roupas, o desestimulando a se abrir.

Foi quando ele estava cansado de band-aids e com a mente quase hermeticamente fechada que ele a conheceu. Tímida e de pele delicada, ele queria conhecer seus sonhos. Tornaram-se amigos.

Um dia ela despejou todo o conteúdo de um sonho para ele, toda a sua angústia noturna. Ele segurava sua mão, ouvindo o calor dela, e queria sabê-la por completo.

Queria contar seus sonhos para ela, queria se expor, deprimido por seu silêncio de guardador de sonhos.

Começou uma narrativa, nervoso.

Ela imediatamente virou-se para ele, com os olhos bem abertos, sem acreditar que iria ouvi-lo e enfim parar de supor o que ele sonhava. Nem conseguia piscar.

Ele prosseguiu com seu sonho antes lacrado. Discorreu sobre seus medos na história que preenchia suas noites.

Um filete de sangue escorria de suas orelhas e ele não ligava se sua pele iria cicatrizar ou não.

Depois, a garota deu-lhe um lenço.