30.1.13

lacrado.

As pessoas costumavam contar sonhos e ele as escutava.

Algum amigo o telefonava e narrava histórias por horas, outro digitava palavras noite adentro pelo computador. Aquela amiga, que o chamou para um café, contou cada sobressalto do seu sonho antes de tocar em sua coxa, mexendo no cabelo com as mãos, lançando-lhe então um olhar lascivo.

Ele também tinha sonhos.

Certa manhã, acordou sorrindo. Era o que fazia quando tinha um sonho tranquilo, refletia sobre enquanto encarava o teto do seu quarto. Era um bom sonho para compartilhar. Algo além do vazio de uma manhã qualquer.

Contou para um amigo depois de uma cerveja. Contou da paz que sentiu, contou da calma dos gestos da garota do sonho, contou como sentiu a pele dela.

Só depois percebeu o corte que tinha nos dedos, seu sangue pingava na mesa do bar. Não conseguiu limpar tudo com o guardanapo vagabundo.

Seus sonhos sangravam quando revelados, ele aprendeu.

Escritores passavam seus sonhos para o papel, palestrantes dividiam sonhos com um auditório. Sonhos enfeitavam novelas. Mas ele não podia dizê-los, era anêmico em potencial.

Seu sono REM individualizado o isolava. Sempre que tentava contar para um amigo, o vermelho tingia suas roupas, o desestimulando a se abrir.

Foi quando ele estava cansado de band-aids e com a mente quase hermeticamente fechada que ele a conheceu. Tímida e de pele delicada, ele queria conhecer seus sonhos. Tornaram-se amigos.

Um dia ela despejou todo o conteúdo de um sonho para ele, toda a sua angústia noturna. Ele segurava sua mão, ouvindo o calor dela, e queria sabê-la por completo.

Queria contar seus sonhos para ela, queria se expor, deprimido por seu silêncio de guardador de sonhos.

Começou uma narrativa, nervoso.

Ela imediatamente virou-se para ele, com os olhos bem abertos, sem acreditar que iria ouvi-lo e enfim parar de supor o que ele sonhava. Nem conseguia piscar.

Ele prosseguiu com seu sonho antes lacrado. Discorreu sobre seus medos na história que preenchia suas noites.

Um filete de sangue escorria de suas orelhas e ele não ligava se sua pele iria cicatrizar ou não.

Depois, a garota deu-lhe um lenço.