21.4.13

pés descalços.

A cortina aberta deixava um facho de luz entrar no quarto, iluminando a cama dela. Sentindo a luz tocar no rosto, ela acordou, permanecendo imóvel por alguns instantes antes de a força de vontade acordar também.

Esticou-se, pôs os pés para fora da cama e pisou no chão.

O azulejo era frio.

Olhou para o cantinho do quarto, onde ficavam suas sapatilhas. Ela sorriu por nunca as ter usado.

Gostava de andar descalça, porque assim se sentia livre, se sentia ela mesma. Gostava de conhecer o chão que pisava. O orgulho por estar sempre sem sapatos era parte dela também.

Alguns não achavam muito sensato, da parte dela. Pessoas andavam calçadas, afinal de contas. No seu aniversário, sempre ganhava várias meias.

Pensava, se estão se importando por eu estar descalça, é porque não são pessoas que devam estar comigo.

Um dia tinha passado por grama, asfalto e calçada quebrada antes de chegar em uma festa, onde estava o garoto alto. Ela tinha interesse por ele, conseguia imaginar a si mesma arranhando suas costas, contra uma parede.

Ele a achava bonita, mas ela andava descalça.

Se se importam com meus pés, não são para mim, dizia para si. Não aceitam meus pés nus, não precisam conviver comigo, repetia.

O orgulho dos seus pés a evitava de mancar.

Andou pelo azulejo do quarto, do corredor e da cozinha, para tomar café sentindo o que restou do frio da noite através do piso.

Dia pós dia, caminhava sentindo o ar entre seus dedos. Mas o orgulho não se sustentava como antes, não servia de base sólida como seus pés que começavam a dar passos incertos.

Questionava se o certo era ter pés descalços. Questionava sua liberdade e seus passos. Questionava se estava seguindo o caminho que deveria seguir.

Se são pessoas que importam, elas não se importarão com minha falta de sapatos, continuava o resquício de orgulho, tentando manter sua posição.

Cambaleava.

O facho de luz a acordou, naquele novo dia. As dúvidas faziam a força de vontade ter uma soneca maior que a de antes.

O azulejo deu-lhe um beijo frio antes de ela encarar as sapatilhas no cantinho do quarto.

Foi até lá e as calçou.

Passou o dia caminhando sem sentir o ar entre os dedos dos pés. A liberdade reclamava, mas o orgulho dos pés descalços vacilava.

Quando voltou para o quarto, no final do dia, estava cheia de calos. Bolhas no calcanhar.

Suspirou enquanto colocava meias para poder dormir. Elas finalmente eram usadas.