26.4.12

aquiles.

Ela tinha os calcanhares azuis.

Não tinha exatamente orgulho dos seus calcanhares, mas não escondia de si o azulado encardido, tinha consciência de ser assim e estava confortável com isso.

Uma amiga sua tinha lóbulos vermelhos, flamejantes. Escondia-os com o cabelo, em um penteado que deixava brechas para suas orelhas em chamas. Enlouquecia. Aflita, pensou em arrancar a orelha, ser Van Gogh. Mas não conseguia, e se escondia.

A de calcanhares azulados aceitava seus pés de nuvem.

Uma vez usou sandálias para um encontro com seus amigos, que olharam escandalizados. Enconda isso, disseram. Como você pode ter uma mancha colorida na pele?, uma de mindinho laranja questionou. Cegos das suas cores. Daltônicos para a humanidade.

E se viam algo estranho, um verde musgo nas costas das mãos, um lilás nas coxas, tratavam de esquecer. Passavam maquiagem, e resolvido. Até a hora do banho, ao menos.

Cabeça aberta e calcanhares à mostra, causava rebelião mental nos outros maquiados. E dessa forma incomodava, porque lembrava o arco-íris dentro de cada um. Ninguém escapa daquela aquarela que pinta as pessoas.

Não tinha medo das safiras aos seus pés. Notou que elas aos poucos desapareciam, restando só uma cicatriz do que tinham sido.

Algum dia perceberia o novo anil às suas costas. E estaria pronta para usar frente-única, não negar a cor que fazia deles humanos, a cor repudiada e cheia de camadas de pó compacto.

Um comentário:

  1. Que pecado eu não ter visto esse texto antes...

    Mais uma vez, Lara, parabéns! "Aflita, pensou em arrancar a orelha, ser Van Gogh.", genial, moça, genial.

    ResponderExcluir