15.4.11

azul.

Estava lá no fundo, via tudo azul.
Um círculo de luz na superfície. O Sol parecia diferente aqui embaixo.
Então lembrei. Não respiro aqui.
Estava tão fundo... a luz vinha de longe. Como eu iria alcançá-la? Me resfolegava, batia as pernas, mexia os braços.
- Está tudo bem?
Daí acordei.
Nick me salvou de um afogamento surrealista. Nós tínhamos alguma diversão juntos há algum tempo, nos conhecemos em uma situação embaraçosa, e tivemos um conhecimento relativamente profundo um do outro para um espaço de tempo de poucas horas.
Ele me falava da sua vida e eu falava do que queria fazer com a minha.
- Vou ver se pego algo para comer na Paula. A gente se vê depois. Cuidado.
E ele saiu.
Me encolhi no banco de trás do carro, onde eu tinha dormido – e me afogado.
As gotas d’água no vidro da janela pareciam me chamar, mas eu estava sem forças para mover até mesmo meus dedos. Quando o celular, no meu bolso de trás da calça, começou a vibrar, tive de tirar energias para me mover de alguma parte de mim que pensei que nem existisse.
- Alô?
- Corre, - ouvi a voz de Nick – foge daí agora. Tenho de desligar. Tchau.
Assim que as palavras fizeram sentido na minha cabeça, pulei para o banco do motorista e dei a partida no carro.
A estrada já era familiar para mim e para Nick. Talvez ela, só ela e a Paula, conhecessem nosso segredo.
Quando estamos fugindo, não pensamos em nada. A única coisa em mente é, puts, corre, rápido, se esconde.
Nem sempre é fácil de lembrar algum esconderijo, ainda mais com fome.
Eu só corria com o carro, tendo de companhia só a estrada.
Um posto de gasolina, lá na frente, era o lugar em que eu sempre estacionava. Ao lado do posto havia um muro amarelo, que circundava o prédio da Paula.
E o posto se aproximava. E eu reduzia a velocidade.
Parei o carro, saí dele. Dei um alô ao frentista que estava sempre por lá. Ao invés de só tirar o boné e cumprimentar de volta, ele disse que eu fosse discreta.
O que era óbvio.
Saquei o telefone do bolso enquanto dava alguns passos em direção ao muro amarelo.
- Ei, estou em frente a sua casa. Você saiu?
- Não. Vou dizer para o porteiro deixar você subir.
Um clique fez a porta de alumínio abrir.
Começava a chover. É engraçado notar que todo mundo anda mais rápido quando começa a chover, no fim das contas estaríamos molhados de um jeito ou de outro.
Aquele lance de escadas também já era um velho conhecido meu. Toc, toc, toc, se ouvia meus tênis molhados batendo nos degraus. Eu sabia muito bem aonde estava indo, e mesmo que houvesse a perseguição, aquela sombra, um vulto invisível que eu só supunha a presença, era reconfortante estar ali, subindo.
Apartamento 301.
Toquei a campainha, e depois de poucos minutos ela apareceu, loira e mau humorada. “Entra”, ela disse.
- E aí, Paula. O Nick está por aqui?
- O meu Nick ou o seu Nick?
O namorado da Paula se chamava Nick.
- O meu Nick. – eu tirava os tênis e as meias, e deixava ali encostada perto da porta.
- Ah, ele estava aqui, mas deu uma saída. Ei, você tem um cigarro?
- Você sabe que eu não fumo. Vai para o posto e compra cigarro, cara. Preguiçosa.
- Sai dessa, você que veio mendigar por aqui.
Paula mexia suas pernas gordas em direção ao sofá. Vasculhou as almofadas, achou uma carteira de cigarros, e deu um resmungo quando viu que estava vazia.
- Vou dizer para o vizinho de baixo que vou fazer barulho no quarto. – disse, indo até a cozinha, com intenção de ir ao interfone. – O filho da puta disse para eu parar de gritar e de ranger a cama, porque atrapalhava o sono dele. Vou mandar ele se ferrar, aposto que é um mal comido.
Fiquei sozinha na sala.
A sala dela era bem simples. Tinha um sofá azul e uma mesinha, com algumas revistas e um cinzeiro sobre ela. Uma televisão, telefone, um armário que estava sempre vazio, onde cabia alguém dentro. Paula dizia que ia colocar uns livros lá dentro qualquer dia.
Ouvia ela brigando na cozinha. Não entendia muito bem, mas saquei um “vá se foder” no meio de uma frase.
Cheguei para perto do armário e bloqueei a sua portinha com meu corpo, ao me sentar em frente dele. A Paula estava vindo, trazendo um copo d’água na mão.
- Cara ridículo. O que você está fazendo aí?
- Nada! – fingi nervosismo.
- O que é que você está fazendo? Tem alguém aí dentro?
- Como...? Porra, Paula, nunca fiz nada além de uma chupada, eu te juro.
- Puta que o pariu! Como é que você faz isso comigo, sua filha da puta? Depois de tudo que eu fiz por ti!
Me levantei rindo e disse que estava só brincando. Ela fez uma expressão de indignada de forma bem teatral e jogou um copo d’água na minha cara.
Daí acordei.
Estava lá no fundo, via tudo azul.
Um círculo de luz na superfície. Eu não respirava e não importava como eu me mexesse para nadar naquela água gelada, porque eu não saía do lugar.
E Nick não podia me salvar, eu já estava acordada.

25.9.10

decida.

Ele não sabia o que fazer. Vai ou recua? Vale a pena?

Cansado de debater consigo, perguntou, contou a um amigo. O que fazer?, qual sua opinião?, falou.

O amigo só disse, respire, vá com calma. Cuidado com o que se faz. Você pode quebrar a cara.

É, ele pensou. Você pode estar certo. Posso quebrar a cara. Mas voltou a refletir. Antes tentar e sofrer que sofrer por não ter tentado, não? Podemor lidar com uma cara quebrada, ela pode se consertar, certo? Antes quebrar a cara que remorso!

Cansado de debater consigo, penguntou, contou a outro amigo. O que fazer?, qual sua opinião?, falou.

O outro amigo só disse, vai fundo, ué.

14.12.09

aquele na rua

A rua suja, a alma suja
Confusão, paranoia
E girando, o mundo realmente gira
Túrgido, embaçado
Onde? Quando?

A serotonina então se foi
E a mancha rubra suja
mancha ainda mais a rua suja

17.11.09

revolta.

Estar revoltada é um porre. Você odeia tudo o que vê, e ainda distorce suas visões, para odiar mais. Acha que ninguém se importa com você, e decide fazer o mesmo para com os outros. Fica triste por ter a vida que tem, e ser o que é, e por estar deprimida. Quer se mudar para outra cidade, outro estado, outro país, e começar tudo de novo, sem ser a idiota que é. Não consegue ocupar a mente, e só pensa em defeitos. Tranca-se no quarto ou no banheiro e olha para o chão, pensando no que fez de errado. Você não presta, ninguém presta, a raça humana não presta, o planeta não presta. E, puts, por que esse ano não acaba logo ou quero ter minha própria vida. Daí você come qualquer coisa, ouve uma música, se deita e dorme. Quando acorda, já melhor, vê que tudo não é tãaao ruim assim.

3.11.09

falta de inspiração.

Nenhuma palavra.
Nenhuma metáfora.
Nenhuma emoção.
Só vagas linhas tentando expressar sentimento.
Em vão.

13.10.09

berlioz.

- A pedreira em que meu marido trabalha está quase ao ponto de fechar.
- A pedreira? Ela sempre foi um estabelecimento tão estável! Mesmo sendo maçante para seu marido. Passar o dia jogando água nas pedras. Afinal, as pessoas só compram pedras bem furadas. Mas por que vai fechar?
- Você sabe bem como o dono da pedreira, o seu Ernesto, é. Pode-se notar pela época em que ele passava horas a fio brigando com a esposa. Quando o pobre do Jairo, o entregador de café, meteu acidentalmente uma colher entre os casados, ele foi demitido sem dó nem piedade. Mas a situação foi mais grave. Houve um assassinato.
- Um assassinato! Meu Deus, não foi um atentado ao Jairo, por seu pequeno crime, foi?
- Não. Foi um atentado ao gato do seu Ernesto. Ele quase teve uma síncope ao ver o bichano esparramado e sangrento no chão.
- Como é que é?
- Delatando o crime: tudo começou no dia que o Breno, com preguiça de escrever, pôs uma bela imagem de um pelicano no cartaz publicitário da pedreira, ao invés da frase “as pedras daqui são as mais bem furadas do país” ou algo do gênero.
- Breno é o apressado?
- Sim, é ele. Ele se separou da mulher dele, a dona Perfeição, soube?
- Não, eu não soube. Mas ele é até rico, vendendo o tempo nas horas vagas. E o que faz a Perfeição agora?
- Ela foi a Roma.
- Por que Roma?
- Ela tinha uma boca enorme.
- Fugimos do assunto principal. Continue a falar do assassinato do gato do Ernesto.
- Enfim, no dito dia, as paredes ouviram um rumor sobre o Breno, de que ele estava vendendo pedras por o preço de um olho. A mãe dele estava precisando de um transplante de córnea, sabe como são as coisas.
- E daí?
- Pois um senhor queria comprar uma pedra, e este tentou dar-lhe um cavalo, e não um olho. O cavalo era banguela, mas Breno o aceitou, mesmo assim. Mais tarde o senhor trocou um olho pelo seu olho, o que não foi uma troca vantajosa, pois o simpático senhor ficou com um olho de cada cor.
- E o cavalo do Breno matou o gato?
- Não. O cavalo fazia parte de uma instituição em amor aos gatos.
- Então, o que tudo isso influi em sua narrativa sobre um assassinato?
- As pessoas da pedreira ficaram curiosas! Foi isso que aconteceu! A curiosidade é perigosa, fatal para os gatos. O pobre Berlioz morreu na hora.
- Que dó. O gato era feio como o diabo, porém.
- Mas Ernesto o amava.
- Isso tudo acontece porque Ernesto é torto: vai morrer assim. E por causa da mulher dele, também.
- O que tem a mulher dele?
- Ela vive falando, aos quatro ventos, nas suas brigas com o marido: “onde come um, comem dois!”.


-
esse texto faz alusão a provérbios, não sei se ficou tão claro. uma tentativa (mal-sucedida) de algo nonsense. nonsense é muito difícil para mim. q

5.10.09

perguntas.

Por que vivemos? Como alguém é racional e emocional ao mesmo tempo? Existe um destino a ser seguido? O que é a morte, além da ausência da vida? Como funciona o cérebro? Existe um Deus? Como se explica efeitos paranormais? Somos todos naturalmente bons ou maus? Por que pensamos, e como os pensamentos são formulados? A apocalipse acontecerá? Qual roupa usar domingo a noite?

Isso mostra como as perguntas envolvendo números ou elementos químicos são relativamente fáceis.

Pelo menos, elas têm resposta.